Como um encantamento, as águas sempre nos ampliam os horizontes.
As sereias foram as minhas primeiras grandes companheiras, amigas, guias, portais artisticos e expressivos. Familia que apareceu no mistério dos “acasos”, pra me fazer expandir, pra me acolher, me confortar e navegar em mim.
Meu primeiro desenho foi feito nas costas de uma tarefa que ganhei para colorir na escola Dom Pedro II (com esse nome não é de se estranhar que eu odiava ir à escola). Eu devia estar no jardim I, por volta dos meus 3 anos.. nessa fase a escola era um pesadelo e eu passava o dia inteiro chorando sentada com a cabeça enfiada na mesa. Não comia, nao brincava, nao fazia as tarefas e nem falava com ninguém… odiava tudo (ainda hoje não entendo como podem achar normal e chamar esse sofrimento -muitas vezes apenas inicial, de adaptação, mas vamos lá…). Via a minha mãe e avó na porta e me esguelava de tanto chorar naquela despedida horrosa e assim começava meu dia. Todos achavam normal, naquela época- e ainda hoje infelizmente- era assim… minha vó sempre repetindo que um dos seus filhos não queria ir à escola e depois que levou um tapão e entrou “na marra”, voltou contente e feliz….
Bom, um dia cheguei em casa com esse desenho que, claro, não fiz na escola, e no lado avesso da página decalquei a mulher deitada de bikini na areia da praia. Estava deitada de lado, com as pernas unidas, o braço segurando a cabeça e eu com o coração em festa. Alguma coisa começou a fazer sentido e aquela mulher foi a minha primeira sereia. A partir daí eu não parei mais. Em todos os lugares eu desenhava sereias… muitos cadernos, páginas soltas, qualquer pedaço que tivesse dando bobeira. Um dia acompanhei minha mãe no seu trabalho de professora e uma das suas alunas estava desenhando uma sereia e mais um oceano se abriu pra mim… Ela fazia o fundo do mar, os peixes, os corais, as pedras e eu comecei a integrar também todos esses novos seres nos meus desenhos. Meu avô colocava todos os desenhos numas pastas que guardava na gaveta fechada a chave do seu birô na sua biblioteca. Geralmente a noite ele estava lá lendo e com a gata preta “cafezinho” em cima dos livros e se encantava e valorizava muito minhas criações. Como eu gostaria de poder ter acesso a qualquer memoria dessas criações… Porém, além do meu avô, mais ninguem tinha tempo pra valorizar essas “besteiras de criança”. Fico com a memória guardada no meu coração e com a lembrança do olhar atento do meu avô que ali me enxergava.
Eu seguia desenhando e desenhando as sereias até que uma grande novidade apareceu no bairro: Uma praça será inaugurada! A primeira praça das cohabs e nela um muro com desenho de várias pessoas que serão escolhidas. Eu enviei uma sereia e foi selecionada!!! meu primeiro mural.
Era o início dos anos 90 e eu tinha uma amiga chamada Patricia, que era filha de uma pessoa que trabalhava na casa de alguem que me ensinava a levitar nessa praça depois que já estava construída a quadra. Algo muito a frente pensando bem, pois tínhamos menos de 10 anos de idade. Acredito que a magia e a criatividade podem emergir mais rápido em criaturas com realidades desafiadoras como um meio de salvação. Bom, eu pintei a sereia. Enorme. Era loira e eu não soube bem fazer o nariz, ficaram duas bolas maiores do que eu desejava, mas eu pintei o mural da primeira praça da Cohab. estava muito feliz e emocionada.
Alguns anos mais a frente, eu estudava no Colégio Municipal Alvaro Lins e uma nova convocatória aconteceu: Selecionariam os melhores desenhos de alguns alunos e estes pintariam o muro da escola. Fui selecionada mais uma vez!! Mais uma sereia gigante. Essa já era mais trabalhada. Muita gente viu e eu passava todos os dias na frente desse muro com muito orgulho.
Assim se passaram muitas tardes da minha infância na Rua Limoeiro, eu mergulhada nas aguas doces das minhas amigas sereias enquanto tudo ou nada acontecia ao meu redor.
As sereias são eternamente minhas companheiras. As sereias são pura magia, encanto, beleza. Elas não tem medo de nada e conhecem os 4 pontos dos oceanos. Tem sua própria lingua, mas sabem falar todos os idiomas. Também cantam e não existem barreiras no mar. Tudanto.
Thaiannezinha sereiando no seu quarto na casa dos seus avós (que era compartilhado com todas as minhas irmãs, mãe- quando estava, as vezes algumas visitas que apareciam e a minha tia-avó (Tiazinha) que morava lá também. “
Ô oceano grande pra ter água…”
Sereia que fiz para a série “Luz de la luna”, em 2020, durante da pandemia, na praia de santa Cruz, Portugal, enquanto gestava meu Yalu sereio na barriga.
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